A Alma da Floresta

A Alma da Floresta

Sentei-me um dia distraídamente,

À beira dum carvalho secular

E, como eu o fitasse docemente,

Ele pôs-se a contar:

 

- "Por sob as minhas folhas orvalhadas,

Buscando a mesma sombra que procuras,

Vinham dois namorados, de mãos dadas,

Trocar suas ternuras.

 

"Assim como um avô condescendente

Tem alma para todos os afectos,

E sempre alegre, sempre sorridente,

Vê a brincar os netos,

 

"Olhando os namorados venturosos,

Benévolo os sentia junto a mim;

E assim era feliz, vendo-os ditosos;

Era feliz, assim!...

 

"Há quantos anos foi?... o tempo passa,

Fazendo estragos, sem poupar ninguém,

E já presenciei tanta desgraça

Que não me lembro bem...

 

"Há quanto tempo foi? Nem já me resta

A lembrança do dia, em que, a chorar,

Na vereda sombria da floresta

Vi a noiva passar...

 

"Perdera o seu Amado e, dolorosa,

Ela vinha sentar-se tristementem

Onde agora te sentas, silenciosa

E descuidadamente!

 

"Quer brilhe o sol em todos o seu esplendor,

A terra transformando num braseiro,

Quer gema o vento, em hórrido clamor,

Pelo universo inteiro...

 

"Desde esse dia de cruel desdita,

Em que o seu sonho lhe fugiu, veloz,

Tal uma sombra a deslizar, aflita,

Num padecer atroz,

 

"Ela aqui vem, convulsa, e, a esperar

O pobre morto a quem outrora amou,

A cada instante diz: - há-de voltar -

Mas nunca mais voltou!...

 

"Chamam-lhe - a Doida - ... à sua dor cruciante

Atiram pedras, como aos cães raivosos!...

Mas eu dou-lhe a frescura acariciante

Dos meus ramos frondosos."

 

Assim falou esse carvalho antigo

Que na floresta impera como rei...

E ouvindo a sua fala, a sós, comigo,

Então em meditei:

 

"Meus Deus, deste uma alma a toda a flor,

Às árvores, à pedra fria e dura,

Mais compassiva para a acerba Dor,

Que a humana criatura!..."