Elvira Santos

Fiel todos os dias

Levanta-se o sol ainda adormecido da cama em que a noite o envolveu e em oiro fulgura por detrás dos montes, acordando almocreves, engrandecendo horizontes de luz, num eterno acontecer. Fiel, dias e dias volvidos, vai matando o meu frio, despertando os meus sentidos que vibram na luz poente com que...

Desligar do Dia

Entra o lusco-fusco pela porta dentro. Os olhos indiferentes, sem procurarem alvo fixo, perdem-se na intacta chávena de café. Na incisão é quando os gestos se desfazem, quando o silêncio vai ficando solitário, num eterno dilema de metamorfose, quando na regra o casulo cresce, escondendo o sol, ou...

Vertigem

Deito-me, na vertigem do momento, nos espaços rubros de vazio, daqueles pôres-de-sol que deixo para amanhã, dos crepúsculos do mais profundo isolamento, e a dor da chama é tal tormento que alivio a sede com gritos que acordam a noite como se sob a chuva de uma música gemida, rasgada em...

Infinito

Atravesso para o outro lado. O espírito flutua pra lá das portas dos abismo, sem chave que abra de modo que ninguém feche, e feche de modo que ninguém abra. Procuro no vácuo o clarão transparente de uma porta aberta, por onde possa espreitar as fronteiras do teu perfume, mas só o mar vítreo me...

No Alpendre

Sentada no alpendre do meu interior, quedo-me meditativa, e me pergunto que haverá por detrás desse enigmático olhar. Tento recordar na mesa da memória em que tempo o olhar deixou de se cruzar. Ouvi contigo a música do silêncio, dancei na bruma do luar, sonhei que repartia a cadeira da solidão e o...

Sonho

Ainda me lembro como se fosse hoje, daquela criança que morava no interior da minha casa, que pernoitava nos meus sonhos e que por vezes gostava de vir brincar comigom logo pela alva, que me destapava a roupa, me pegava ao colo e me levava nas crinas do vento, alto, cada vez mais alto, para depois...

A Porta do Abismo

Era tarde de Maio, espaço rubro onde nem uma ideia ondulava, só o pensamento em paz, perdido na sua sombra. (Chamas-me de volta, roubando-me à sombra que me procura, e que o tempo não rompeu, insistindo em erguer-se como gigantes do apocalipse). Gotas de terror despenhavam-se num mar imenso, como...

Espera

Tempo retalhado em frangalhos cujas caleiras entupidas pelas chuvas, dias e dias, gastam o cansaço, à espera do vestir da Primavera, branca espuma em seus cabelos, fazendo-nos recordar o algodão da nossa infância. Telhados enfeitados com o vestir da vida e rebanhos em gestos mansos contemplam a...

Era Agosto e Chovia

Meia tarde, era Agosto e chovia. Arrasto o interior até à varanda fundida entre os seios da colina, de cujo interior um suave aroma emerge, inebriando o olfacto. Na sombra da tarde, o vento faz gemer baixinho as tílias, elevando até nós o sussurro dos seus ais e o forte aroma da terra benzina pela...

Dor

Ergue-te cama Moribunda Espreita o alvorecer Que acorda Manso   Luta por essa vida Finda Rasteira o tempo do Profeta E demora-a um pouco mais Ainda
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